Tudo que Deus criou (2015)
Apesar da emoção não ser propriedade apenas do olhar, o erotismo veiculado pela mídia privilegia quase que exclusivamente a visão. A dança dos afetos acontece no ritmo dos compassos dos demais sentidos e como tal ressoa pelo corpo todo. O universo erótico da pessoa cega é mobilizado pelos sons, sussurros, timbres de voz, toques nos cabelos e na pele, e os cheiros que ocupam lugar especial na trilha da sua intimidade.
Este é um dos trunfos do longa paraibano Tudo que Deus Criou, de André da Costa Pinto. Neste filme, a atriz Letícia Spiller interpreta uma cega de trinta anos que está atrás de sua primeira experiência sexual com um homem.
Usando uma lente de contato falsa que chama a atenção, talvez excessivamente, para sua cegueira, a personagem de Letícia vai frequentemente ao correio para ouvir histórias e poemas que um viúvo lê para ela com paciência e a tensão de quem também carrega alguns traumas. Num certo dia, ela começa a se oferecer para ele. Faz perguntas indecorosas, até se oferecer diretamente para fazer sexo com ele (sexo, não amor, é o que ela faz questão de dizer). Não é uma libidinosa, ou uma ninfomaníaca. É apenas uma mulher atraente que retardou o processo de descoberta sexual por pelo menos uns quinze anos (“ninguém deseja uma cega”).
Num jantar em que convida os dois amantes, ela abre os botões da blusa, coloca os seios para fora e pede para que cada um coloque a mão sobre um deles. Eles, que são amantes em segredo, colocam, mas vão aproximando suas mãos até que elas se toquem sobre os seios dela. É um dos melhores momentos do filme, em que diretor e elenco estão à vontade, completamente entregues à dramaturgia suavemente amadora proposta por André da Costa Pinto que conseguiu versar sobre sexualidade de uma cega sem nunca perder a mão.
Letícia Spiller
Guta Stresser
Maria Gladys
Paulo Vespúcio
Cláudio Jaborandy
Paulo Philippe
Direção: André da Costa Pinto
Empresa Distribuidora: Pipa Filmes
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